Sete Perguntas para Dom José Carlos, Bispo da Diocese de Divinópolis

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Dom José Carlos Souza Campos, bispo da Diocese de Divinópolis, nomeado pelo Papa Francisco em 26 de fevereiro de 2014, nasceu no dia 3 de janeiro 1968. Nascido e criado na cidade vizinha,  Itaúna, é filho de José Pinheiro Campos e Dona Piedade Souza Campos. Estudou nas escolas Maria Augusta de Faria e Escola Estadual de Itaúna, onde cursou os ensinos Fundamental e Médio, antes de voar para outros aprendizados, educandários e países. É professor e durante boa parte de sua vida exerceu o magistério. Lecionou em Belo Horizonte, Pará de Minas e Divinópolis. Sua ordenação sacerdotal aconteceu em Itaúna, no dia 30 de maio de 1993.

1.Primeiramente, conte para os nossos leitores como foi o seu ingresso na vida sacerdotal e de que forma o senhor chegou à condição de bispo diocesano. O sacerdote ouve um chamado à vocação, como isso acontece?

Minha vocação desabrochou na infância. No seio da família simples e religiosa que Deus me deu como “lugar de nascimento” neste mundo, cresceu a vontade de ser padre. Na comunidade, junto dos vicentinos, dos grupos de reflexão e do grupo de oração, desenvolveram-se em mim o cuidado com os mais pobres, o zelo pela Palavra de Deus e a espiritualidade orante. A família e a comunidade religiosa são decisivas no despertar e no cultivo inicial da vocação sacerdotal. A Pastoral Vocacional realizou um belo trabalho de acompanhamento, proximidade e ajuda. Muitas pessoas queridas, algumas agora no céu e outras ainda na missão neste mundo, foram importantíssimas no meu caminho vocacional. Vocação se constrói no diálogo, na oração, na convivência.

2.A diocese de Divinópolis abrange quais municípios e desses, quais são as paroquias sob a sua responsabilidade? No dia a dia, qual é a função do bispo em sua diocese?

A Diocese de Divinópolis compõe-se de 25 cidades e 54 paróquias, num âmbito territorial que está entre São Joaquim de Bicas, Camacho, Leandro Ferreira, Conceição do Pará, Onça do Pitangui, São José da Varginha, Florestal, Juatuba (tentando fazer um círculo geográfico). A sede da Diocese é a cidade de Divinópolis. As cidades maiores (em torno ou mais de 100 mil habitantes) são, além da sede, Nova Serrana, Pará de Minas e Itaúna. No dia a dia, o Bispo tem as reuniões ordinárias com os diversos conselhos e organismos que o ajudam a cuidar da Diocese, tanto do ponto de vista religioso e pastoral, quanto administrativo e financeiro. São muitos estes grupos, compostos por sacerdotes, religiosos, leigos e leigas. Na lida pastoral, o bispo circula para celebrações, encontros e reuniões por este território de mais ou menos 8.800 km quadrados.

3.Nesses tempos de pandemia, com algumas cidades na Onda Roxa, outras na Onda Vermelha, com muitas restrições, como têm sido as atividades do dirigente da diocese? Na opinião do senhor, quais são os impactos sofridos pela Igreja Católica por causa da Covid-19?

O Bispo neste tempo de pandemia tem que administrar sempre duas posturas (ou mais!), os grupos que lidam com este momento como de verdadeira e grave pandemia e os grupos que negam esta realidade ou parte dela, com posturas mais ou menos dialogáveis. Meu papel é ouvir, ajudar a discernir, estimular ao cuidado e à responsabilidade ética e evangélica. Também participar de decisões e encaminhamentos municipais sobre esta matéria, quando solicitado para esta mesa de discussões. E buscando com os padres construir unidade e comunhão para enfrentarmos juntos e como Igreja diocesana este momento, pedindo sempre atenção para com eles mesmos e com os mais pobres e vulneráveis de suas comunidades, além de fomentar o cuidado pastoral da escuta, do acompanhamento e, particularmente, da assistência litúrgica virtual como é possível neste momento. Os impactos deste tempo, que se prolonga mais do que todos imaginávamos, é a perda da força dos grupos e do entusiasmo das lideranças pela ausência de reuniões presenciais, a frieza espiritual pela falta dos sacramentos vividos presencialmente, a perturbação emocional das pessoas pelo isolamento, pela solidão e pelo abandono. Precisamos redescobrir e potencializar, agora e no pós-pandemia, a cultura do cuidado, do encontro, da proximidade, do amor pela vida. Evangelização sem promoção e cuidado da vida não comunga com Jesus.

4.Que avaliação o senhor faz acerca de algumas posturas de pessoas que se consideram conservadores cristãos e defendem armamentismo e o apoio a ideias conservadoras no campo das políticas sociais?

Importante frisar que a Igreja não coordena nenhum grupo político, um segmento ou movimento, mas sim um grupo de fieis leigos, de identidade religiosa cristã (porque não são só católicos), que quer propor uma leitura social e uma ação política, neste caso de viés conservador. Não se pode negar que a sociedade e a cultura têm um caráter plural e heterogênea. O “homogêneo” e o “singular” são próprios dos regimes absolutistas e totalitários (e nem lá conseguem um “formato único”). O mais importante e urgente é a capacidade de todo e qualquer grupo (da Igreja ou da sociedade) de promover o diálogo respeitoso e amoroso com os diferentes ou opostos (a Campanha da Fraternidade nos convida a este diálogo em nome e por causa de Cristo). A verdade é Cristo. Não sei quais são as posturas do movimento sobre armas e políticas públicas, mas sei, digo e ensino como bispo que tudo que alguém propõe em nome de Cristo precisa ser coerente com o Evangelho e o Reino. Sem esta coerência, as propostas tornam-se meras proposições e ajustes humanos ou, pior ainda, leituras equivocadas ou parciais da lógica e da mentalidade mais genuínas do coração de Jesus e do Pai. “Eu vim para que tenham vida e a tenham plenamente”. Este é um dos critérios fundamentais para o seguimento de Jesus, para ser d’Ele. Dialogar, propor, respeitar quem pensa diversamente, assegurar comunhão e fidelidade com a verdade de Cristo, este é sempre o caminho certo, mesmo que cheio de fadigas e arestas. Precisamos substituir polarizações agressivas e estéreis por longos e, talvez, difíceis e irrenunciáveis diálogos pelo bem comum e pelas causas sociais, éticas e cristãs.

5.Já são polêmicas e motivo de contestações entre católicos conservadores as ideias trazidas pela CNBB com a Campanha da Fraternidade 2021? O que representa de fato a Campanha da Fraternidade? Mais especificamente deste ano, o que pretende a Igreja com essa proposta: “Fraternidade e Diálogo: Compromisso de Amor”?

As polêmicas sobre a Campanha da Fraternidade (CF), o ecumenismo, a Conferência dos Bispos (CNBB), a coleta da solidariedade, as pastorais sociais não são de agora. A CF tem 57 anos, o ecumenismo é desejo de Jesus desde a primeira hora (“Que todos sejam um!”), a CNBB tem quase 70 anos, as coletas e os fundos nacional e diocesano da solidariedade já ultrapassaram 20 anos de existência, as pastorais sociais têm dados e números de vidas cuidadas e promovidas. Basta visitar a história e perceber os frutos. Haverá algum fruto ruim? Certamente. Como há também na vida dos críticos de plantão. Há uma postura e uma “cultura” (e precisamos conviver com ela se não queremos “totalitarismos religiosos”) de contestação rápida, virtual, sem diálogo, sem verdades inteiras. Aí estão a desgraça e o mal. A CF nos convida a dialogar com amor, buscando a paz e a unidade desejadas e garantidas por Cristo e por quem crê verdadeiramente n’Ele.

6.Falando em Campanha da Fraternidade, pelo segundo ano consecutivo a Igreja Católica terá que reprogramar suas atividades na Semana Santa por causa da pandemia do coronavírus. Como serão os eventos desse período programados pela Diocese?

Imagino que no território da diocese, com seus 25 municípios, haverá formatos diferentes da Semana Santa. A pandemia com suas variantes e agravamentos não permite um jeito só de viver e celebrar em toda a extensão diocesana. Haverá cidades onde será possível celebrar com pequenas assembleias ou com uma porcentagem maior segundo o tamanho das igrejas, até aquelas em que todos terão que assistir em casa pelos canais digitais. Mas quero dizer que trata-se de um tempo de intensa força espiritual. Vamos viver esta semana com for possível, mas não a desconsideremos, não aproveitemos o tempo da Semana Santa tão somente para o descanso (imposto ou livre), a lamúria ou a disputa de lugar nas celebrações. A pandemia é a cruz deste tempo, mas precisamos carrega-la sendo, ao mesmo tempo, Jesus e Simão Cirineu. Leva-la como nossa e ajudar os irmãos sujeitos “à mesma condenação”.

7.Na opinião do senhor, como ficarão as atividades e a própria Igreja Católica ao término dessa pandemia? Como líder da Igreja em nossa região, qual é o entendimento de Dom José Carlos acerca da Covid-19 como lição para a sociedade?

Teremos um longo e cansativo caminho de “ajuntamento”. A pandemia trouxe consigo dispersão, frieza, desestímulo, exaustão… Precisaremos ser pacientes, pró-ativos, criativos, insistentes… A pandemia mostrou-nos, como Igreja, muitas das nossas vulnerabilidades, falências, fraquezas, inadequações, como também a beleza da solidariedade com os irmãos (muitas campanhas de ajuda, que precisam continuar!), a fidelidade com a manutenção das igrejas (o dízimo fiel foi um belíssimo fruto deste tempo!), da exemplaridade no cumprimento das exigências de cuidado nos nossos espaços (muitas secretarias municipais expressaram isto). A pandemia revelou que precisamos ainda de muitas e profundas conversões; mostrou que o mundo continua produzindo muitas formas de sofrimento e de morte; que a perversidade do coração humano continua capaz de mercantilizar a vida, de ideologizar uma pandemia, de politizar uma vacina, de negar um mal pandêmico, de não sofrer pela morte alheia (enquanto ela não bateu em casa)… As lições da pandemia não podem deixar de ser lidas e aprendidas. Meu medo é que não sejam lidas nem aprendidas, e esta pandemia seja apenas uma página triste e trágica da história, com “metástases” posteriores. Deus nos livre deste mal! Quem ama a Deus ame também seu próximo, ensina a Escritura, em toda e qualquer circunstância e adversidade! Invistamos na cultura da vida, do amor, do diálogo, da paz, da convivência fraterna, da concórdia, da ética do Evangelho!

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