SETE PERGUNTAS PARA: Maria Eduarda Géo, advogada especialista em Direito Comercial

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O Código de Defesa do Consumidor completou 30 anos no dia 11 de setembro e é uma importante ferramenta para garantir os direitos nas relações de consumo dos brasileiros. Nesta semana, a série “Sete Perguntas” conversou com a advogada Maria Eduarda Novaes de Lima Géo. Formada em Direito pela Faculdade IBMEC, ela atua nas áreas cível e comercial. Tem como principal interesse, a atuação jurídica empresarial e explicou um pouco de como funciona o CDC.

1. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) completou 30 anos na última semana. Para aqueles que ainda não o conhecem, o que é o CDC? Quais as principais conquistas do consumidor em decorrência da criação do código?

É o diploma legal responsável por disciplinar as relações entre consumidor e fornecedor (relação de consumo). Nossa Constituição Federal prevê que o “estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor” (art. 5º, XXXII), a materialização desta previsão é o Código de Defesa do Consumidor. São quatro conceitos fundamentais para a compreensão de uma relação de consumo. Ela sempre será composta por, pelo menos um consumidor e um fornecedor (podendo existir diversos entes personalizados em cada um dos polos desta relação), com a conexão entre estas partes se dando através de pelo menos um produto ou serviço (que também poderão existir de forma conjunta ou múltipla).

O Código de Defesa do Consumidor representa verdadeiro marco nas relações mercantis, estabelecendo uma série de princípios que devem ser observados para dar mais equidade as relações entre fornecedores e consumidores. O CDC apresenta disposições para mitigar eventuais comportamentos antiéticos por parte do fornecedor, concedendo ao consumidor direito a informação adequada e clara, proteção contra publicidade enganosa e assegurando a modificação de cláusulas contratuais que tornem a relação excessivamente onerosa, por exemplo.

Porém, existem falhas que independem de tais comportamento reprováveis. Não é difícil imaginar que determinado produto que tenha milhares de vendas (como um aparelho de televisão) venha a sofrer com defeitos em algumas de suas unidades. Tal situação independe de qualquer vontade do fornecedor. Todavia, mesmo nestas situações, o consumidor se encontra resguardado, com o CDC instituindo a garantia mínima nas relações de consumo (30 dias para produtos não duráveis e 90 para produtos duráveis) e a proteção aos eventuais vícios ocultos do produto, assegurando sua troca por exemplar plenamente funcional ou reexecução dos serviços, restituição da quantia paga devidamente atualizada ou abatimento proporcional no preço. Existe ainda o direito ao arrependimento, podendo o consumidor simplesmente desistir da relação de consumo no prazo de 7 dias, desde que obviamente devolva o bem recebido em perfeitas condições.

2. Como é a atuação da CDL nesta área de direitos do consumidor? Quais são as principais queixas em Juatuba?

É importante ressaltar que a CDL é quem apoia, defende e representa o interesse de seus associados, todavia, a atuação da CDL Juatuba também pode servir de mediador, com o intuito de criar diálogo entre os associados e o consumidor, para que a questão seja rapidamente resolvida e ambas as partes saiam satisfeitas. A CDL busca sempre soluções para questões relevantes da sociedade que afetam o comércio. Ademais, a CDL está sempre disponível para sanar dúvidas dos associados em relação ao Código de Defesa do Consumidor. As principais queixas em Juatuba, em geral, são em relação aos juros exorbitantes cobrados pelos fornecedores.

3. Durante o período de pandemia, algumas leis foram sancionadas, por exemplo, a do não reembolso em caso de cancelamento de eventos. Com isso, há quem diga que o Direito do Consumidor está retrocedendo nos últimos anos no Brasil. Qual sua opinião sobre isso? Acredita que o consumidor está sendo preterido em relação às empresas?

É complicado falar em retrocesso ou em preterimento de determinada parte em prol de outra neste caso. Isto pois trata-se de evento catastrófico e extremamente raro na história. É muito difícil fazer uma análise das consequências de tal situação observando apenas o Código de Defesa do Consumidor, que seria uma fração do ordenamento jurídico nacional e não existe sozinho, em especial, se considerarmos que a discussão em torno de uma pandemia e suas consequências ultrapassa a esfera jurídica por si só.

Sobre a questão do cancelamento de eventos especificamente, cuja previsão estaria contida na Lei nº 14.046/2020, é de se destacar que referida disposição (art. 2º, § 3º) foi vetada pelo poder executivo, em razão de posicionamento dos Ministérios da Justiça e Segurança Pública e do Turismo. Tal veto fora motivado justamente por se entender que tal permissividade poderia ensejar violação aos objetivos e princípios da Política Nacional de Consumo que norteiam o CDC, em especial, o já mencionado princípio da vulnerabilidade do consumidor, além de outros princípios do ordenamento civil. Neste caso em específico (da ausência de reembolso em caso de cancelamento de eventos) não existem motivos para preocupação, vez que tal disposição sequer entrou em vigor.

4. Tanto Juatuba como Mateus Leme não possuem um Procon Municipal. Na sua opinião, isso prejudica de alguma forma o consumidor? Sem a presença do Procon, o que o consumidor pode fazer para reivindicar seus direitos?

A ausência de um programa local para a proteção e defesa do consumidor não é o cenário ideal. Todavia, deve-se lembrar que o Procon é um aliado e uma ferramenta na defesa dos direitos consumeristas, não devendo ser visto como único responsável nesta tarefa. A forma mais eficiente do indivíduo garantir a proteção de seus direitos se dá através de conhecimento próprio. O conhecimento de seus direitos, ainda que de forma relativamente superficial, se mostra indispensável para a boa prática cidadã, atuando inclusive de maneira preventiva, vez que possibilita ao consumidor escapar de más relações de consumo antes mesmo delas se iniciarem. Sobre isto, esperamos que esta conversa sirva de introdução ao tema, despertando interesse em buscar tal conhecimento. O Código de Defesa do Consumidor possui cerca de cem artigos e redação relativamente simples quando comparado com outros diplomas legais, além de existir vasto material sobre o tema na internet, com os mais diversos graus de complexidade.

Agora, sobre medidas imediatas, é de se destacar que o consumidor pode sempre buscar orientações junto as agências governamentais, como a ANAC no caso da aviação e ANATEL no caso das telecomunicações, dois dos temas mais recorrentes nos processos envolvendo relações de consumo. Ademais, ainda que inexista Procon municipal próprio, a alternativa estadual do órgão se encontra disponível para prestar auxílio neste sentido.

É claro, existe ainda a via judicial, onde o indivíduo pode requerer seus direitos com o auxílio de seu advogado de confiança ou até mesmo sozinho caso sinta confiança para tal e seu caso se adeque nas previsões legais pertinentes ao Juizado Especial Cível (popularmente conhecido como “Pequenas Causas”).

5. Há aqueles casos em que o próprio consumidor não deseja acionar judicialmente a empresa. Dá para resolver conflitos de consumo fora da Justiça?

A possibilidade de resolução de eventuais conflitos por via extrajudicial existe, as próprias agências governamentais (a exemplo das mencionadas ANATEL e ANAC) costumam ser grandes parceiras dos consumidores nestas horas, por vezes a abertura de processo administrativo se mostra suficiente para a resolução satisfatória do problema.

Existe ainda a via administrativa através do PROCON, órgão instituído justamente com este objetivo. Importante salientar, entretanto, que por se tratar de decisões administrativas, estas podem eventualmente passar por revisão do poder judiciário em processo próprio para tal finalidade. Por vezes a própria empresa propõe resolução do problema ao consumidor, ciente de todo o trabalho e custo gerado pelas repetitivas demandas de seus clientes neste sentido (por via judicial ou não) e dos eventuais problemas que tais casos podem causar à sua imagem pública. Este comportamento por parte dos fornecedores deve ser sempre incentivado pois auxilia na criação e manutenção de relações consumeristas saudáveis.

6. É correto dizer que muitos dos conflitos relacionados aos direitos do consumidor se dão por falta de informação?

Com certeza, inclusive por falta de informação dos fornecedores, que deveriam possuir maior conhecimento sobre sua esfera de atuação do que o consumidor comum. Por vezes nem os próprios fornecedores percebem que estão infringindo a lei. Conforme ressaltado anteriormente, o conhecimento é a melhor ferramenta que o indivíduo pode ter na hora de pactuar qualquer negócio, fato que evita o envolvimento em relações jurídicas com alta probabilidade de se tornarem problemáticas, a exemplo da venda de produtos sem garantia.

7. As compras pela internet se tornaram muito populares, em especial, durante a pandemia. De que forma o consumidor pode se resguardar nas compras feitas pela rede e quais documentos servem como prova?

As compras pela internet são aquelas que maior facilitam a obtenção de documentos comprobatórios. Como o sistema do fornecedor é completamente automatizado, cada “passo” do consumidor dentro deste sistema gera algum tipo de registro. Isto também acontece nos meios de pagamento. Por se tratar de negociação que se dá por meio eletrônico, existe ainda a facilidade de se guardar estes registros sem a necessidade de se armazenar pilhas físicas de papel.

É importante que o consumidor guarde todos os e-mails recebidos. Geralmente são vários, informando que a compra foi realizada, confirmando o pagamento, a emissão de nota fiscal, envio e etc. Salvar a nota fiscal que geralmente vem anexa ao e-mail próprio também é essencial, bem como guardar os comprovantes de pagamento do boleto ou a fatura/extrato de seu cartão (que também ficam disponíveis online para consulta posterior se necessário). Caso ainda assim o consumidor não se sinta suficientemente seguro, pode-se registrar “prints” ou fotos do próprio site, do anúncio e das informações do pedido.

Salienta-se que tal postura é preventiva. Formalmente falando o fornecedor é quem tem a obrigação de apresentar a documentação da relação de consumo em eventual processo, porém quanto mais provas o próprio consumidor fornecer antecipadamente, mais concreta fica a sua argumentação.

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